“Um Filme de Cinema” marca uma nova abordagem para o cinema do diretor paulistano, Thiago B. Mendonça, pois se trata de um filme assumidamente infantojuvenil, isto é, existe a preocupação de acenar com uma linguagem que reforça os aspectos da linguagem, seja na interpretação, no tom narrativo e no tratamento musical que posicionam o filme para um ambiente jocoso, de lugares que trafegam o território do brincar.
A intenção é abordar uma história que frontalmente se incorpora a metalinguagem, uma vez que a protagonista (Bebel Mendonça, filha biológica do diretor) decide em um trabalho de colégio fazer um filme para ser avaliado. A pauta das referências, prazeres e dificuldades de se fazer um filme e a ideia do cinema como um meio de expressão artística com resultados imprevisíveis e inusitados são trabalhados gradativamente na condução do filme e a ideia é revestir essa premissa pelo viés de uma relação familiar amorosa, mas conturbada, e com choque de criatividade, uma vez que o pai de Bebel (interpretado pelo ator Rodrigo Scarpelli) é um artista em um momento de bloqueio criativo e que sua obra parece não alcançar os parâmetros e desejos alcançados.
O lugar identificado pelo filme passa muito por dispositivos e narrativas facilmente identificadas em produções nacionais, até mesmo a ideia metalinguística e autorreferencial é consistentemente explorada. O curta-metragem “4 Bilhões de Infinitos”, por exemplo, se aproxima tematicamente ao colocar o envolvimento direto de crianças no fazer/pensar cinema, mas ali a arte é colocada como um mecanismo para viver e coloca algumas relações mais complexas e menos didáticas, mesmo que o filme de Pereira dialogue com diversos públicos. Aqui existe uma aproximação menos causal e mais didática de como surge o amor e a vontade de fazer cinema que parte mais pelo acaso e herança familiar.
A magia do cinema é explicada e mostrada à exaustão, não são poucas as referências de Buster Keaton, Charles Chaplin, O Mágico de Oz, cineastas dos primórdios do cinema como Os Irmãos Lumière e Georges Mèliès. As recriações e invasões de trechos de filmes são simpáticas e agradáveis, porém demonstra um excesso expositivo e uma dificuldade de encaixar a ideia cinematográfica para além de um, fazer artístico, de uma arte que muito tem a dizer. No fim parece destinar um discurso de tom mais objetivo e funcional, o que é compatível com a realidade, mas reduz algumas possibilidades, leituras. O arco dramático do filme se encerra com algumas conveniências, ou seja, tudo acaba por se resumir e se resolver com muita facilidade.
A mudança repentina da ideia do cineasta Rodrigo, faz com ele permita que Bebel faça seu filme, ou em outros momentos como a retratação do ambiente do festival de cinema. A ideia de embalar o filme para públicos, mas tentando manter distinções autorais, impactam na fluidez do ritmo narrativo e algumas falas e ações performáticas caem no excesso. Apesar das situações apresentadas, é louvável que o filme consiga transitar por territórios genuínos do lúdico, existe comprometimento artístico e novas encenações de cenas e filmes clássicos, falas e referências que ressaltam a brasilidade e a variedade cultural e artística como menções aos sambista Candeia, a arte prosaica representada pelo ator Carlos Francisco e a riqueza em diversificar cenários e situações mostrando o zoológico, as praças e uma certa diversidade de plantas e de pessoas.
As composições próprias ganham destaque, com o diferencial de serem muitas vezes produzidas pelos próprios envolvidas pela equipe do filme, existem canções assinadas por Thiago B. Mendonça, Carlos Francisco e interpretadas pelo elenco, desde Francisco até os protagonistas, Bebel Mendonça e Rodrigo Scarpelli.
O flerte documental, até mesmo por contar com muitos não atores no elenco, fica explícito e é bem formalizado e reforça esse ambiente lúdico colocado por todo pelo filme. A mudança de formatos, as câmeras, a ideia das entrevistas geram interesse, embora algumas passem do ponto pela linguagem muito característica de produções destinadas ao público infantil com falas burlescas e ações exageradas.
A mensagem edificante da potência do cinema em agregar e transformar, surpreendendo perspectivas e situações, é bonita e suscita uma identificação, embora o carisma de Bebel e o contato da arte não revigorem um formato gasto, apesar da jornada transmitir simpatia e gracejos.
FICHA TÉCNICA
Direção: Thiago B. Mendonça
Roteiro: Thiago B. Mendonça
Produção Executiva: Renata Jardim
Produção: Adriana Barbosa, Danillo Prisco, Laura Calasans, Alex Rocha
Elenco: Bebel Mendonça, Isadora Mendonça, Rodrigo Scarpelli, Eugênia Cecchini, Antonio Petrin, Alípio Freire, Carlos Francisco, Camila Urbano
Direção de Fotografia: Andre Moncaio
Direção de Arte: Bira Nogueira
Trilha Sonora: Zeca Loureiro
Montagem: Bem Ortolan do Prado e Eduardo Liron
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