A lacuna e a arte em āA Filha do PalhaƧoā
- Marcio Weber
- 27 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

Pedro Diógenes no segundo longa-metragem solo, retoma algumas temĆ”ticas em trabalhos anteriores, a solidĆ£o, o vazio das relaƧƵes sociais, a sensação de invalidação social em paralelo Ć arte performĆ”tica, as referĆŖncias regionais, a caracterização artĆstica/performĆ”tica como uma forma de sobrevivĆŖncia.
Agora em āA Filha do PalhaƧoā, Diógenes traz uma história livremente inspirada em uma história de vida do próprio pai e esmiúça a disfunção entre um homem que se isolou após relacionamentos frustrados e vive um luto pessoal e da própria arte (ao nĆ£o se enxergar mais como ator) e de uma menina, a filha deste homem, Ć procura de construir uma relação atĆ© entĆ£o inexistente.Ā
Para tecer a história, existe uma mudanƧa de tom notĆ”vel, se comparado a proposta de āInferninhoā (dirigido em colaboração com Guto Parente), a atmosfera surrealista e febril parece ter ficado em segundo plano, em contrapartida, a aura melancólico, o ar decadente com luzes coloridas, a plateia distanciada com risadas de escĆ”rnio colaboram com a carga passada por Renato (DĆ©mick Lopes), o palhaƧo do tĆtulo. As apresentaƧƵes Ć”cidas e satĆricas que apesar de agraciar o pĆŗblico local com tópicos do cotidiano, brincadeiras engessadas com turistas, com o estereótipo de pessoas que frequentam aqueles lugares, entretanto nada diz muito a ele, mesmo montado e abastecido de uma maquiagem lĆŗdica e figurino extravagante vira um escudo para destilar as próprias decepƧƵes usando o humor como veĆculo de escape da própria vida, entretanto ao receber o contato inesperado de Joana (Lis Sutter), criam novas perspectivas e relaƧƵes de convĆvio e afeto.

As ausĆŖncias e distanciamentos paternos em detrimento de instabilidades psicológicas, conflitos e relacionamentos abusivos que respingam diretamente nos filhos, a implicação dessa relação tĆŖm atualmente sido explorada com certa frequĆŖncia, especialmente na ótica de meninas ainda na fase da adolescĆŖncia que convivem um perĆodo inesperado com os pais, essa linha narrativa pĆ“de ser presenciada em filmes curiosamente do mesmo perĆodo de produção de āA filha do palhaƧoā (o ano de 2022), como o popular āAftersunā de Charlotte Wells e Ģo costa-riquenho āTenho Sonhos ElĆ©tricosā de Valentina Maurel, existem diĆ”logos Ćntimos destes filmes por se resvalar numa temĆ”tica universal. Em todas as obras citadas existe uma relação dolorosa, a sensação de culpa, algo corrosivo que vai contaminando a convivĆŖncia e os vĆcios pelo Ć”lcool. Todavia o filme de Diógenes carrega predicados particulares pela justaposição de percepƧƵes de Joana e Renato, onde os pontos de vista se encontram e registra a magia de um relacionamento que se reconstrói do zero, a despeito de erros, das inseguranƧas e mĆ”goas, ao mesmo tempo que existe algo conciliador, nĆ£o se rendendo a soluƧƵes fĆ”ceis tampouco maniqueĆstas, expƵe assim fraquezas, obstĆ”culos e contrastes dessa relação entre pai e filha.
A atenção por planos bem próximos dos atores, por ora pegando parte do corpo, outras mesmo o close-up enfatizando o rosto reveste a cumplicidade e imersĆ£o psicológica que vai sendo construĆda gradativamente, expressas na condução cirĆŗrgica que aproveita os cenĆ”rios Ć disposição e vai passeando pelas emoƧƵes vividas pelos dois protagonistas entre revelaƧƵes e descobertas, afetos e conflitos.Ā

Outros departamentos tambĆ©m se destacam, em especial a fotografia de Victor de Melo, que trabalha inĆŗmeras fontes de luz, criando um encanto e trabalha bem a profundidade de campo dentro destes espaƧos. JĆ” ThaĆs de Campos e Lia Damasceno contribuem com um olhar singelo e criativo dentro deste universo performĆ”tico vivido por Renato e por outros personagens do meio, seja na composição e paleta dos locais apresentados e pela maquiagem complexa e expressiva que municia a forte interpretação de DĆ©mick Lopes, alĆ©m de auxiliar a presenƧa magnĆ©tica de JesuĆta Barbosa em cena.
āA filha do palhaƧoā Ć© um filme que, apesar de carregar tendĆŖncias e abordagens usuais, convence pela forƧa dos personagens, convidando o espectador a mergulhar no poder da aceitação, do diĆ”logo e do perdĆ£o em um desfecho memorĆ”vel que sublimaa lacuna e arte .
Estreia nesta quinta (27/05)
FICHA TĆCNICA:
Produção: Marrevolto Filmes
Produtora associada: Pique-Bandeira Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Direção: Pedro Diogenes
Roteiro: Amanda Pontes, Michelline Helena, Pedro Diogenes
Produção executiva: Amanda Pontes, Caroline Louise
Elenco: Lis Sutter, Demick Lopes, JesuĆta Barbosa, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios, ValĆ©ria Vitoriano, PatrĆcia Dawson, Luiza Nobel, David Santos, Rafael Martins, Mateus Honori, Vic Servente, Jenniffer Joingley, Pipa, Patricia Nassi,
Direção de fotografia: Victor de Melo
Direção de Arte: ThaĆs de Campos
Som: Lucas Coelho
Figurino: Lia Damasceno
Maquiagem: Guilherme Funari
Direção de Produção: Clara Bastos
Assistência de direção: Michelline Helena
Casting e Preparação de Elenco: Elisa Porto, Samya de Lavor
Gaffer: Carlinhos Tareco
PlatƓ: Muniz Filho
Montagem: Victor Costa Lopes
Colorista: Pedro Dulci
Trilha original: Cozilos Vitor, João Victor Barroso
Arte GrƔfica: Diego Maia
2a assistente de direção: Grenda Costa
ContinuĆsta: Mariana Nunes Gomes
Produtora de base e Protocolos covid: Pauline Rodrigues
Assistentes de produção: Muniz Filho, Natasha Silva, Victor Furtado
Assistente de produção executiva: Virna Paz
Edição de Som e Mixagem: Lucas Coelho
GĆŖnero: Drama
PaĆs: Brasil
Duração: 104 minutos


