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Foto do escritorMarcio Weber

Tia Virgínia


TIA VIRGINIA VERA HOLTZ

“Só vou esquecer, se eu deixar de existir”, essa é uma das falas ditas pela protagonista, Virgínia (Vera Holtz). E essa frase, de força incontornável, não esconde os resquícios da mágoa e da personalidade em um filme que debruça sobre as complexidades e particularidades das relações familiares. Seis anos após o sensível “As Duas Irenes”, Fabio Meira retorna para a cadeira da direção. Neste novo trabalho, Meira parece ainda mais interessado em escavar as dicotomias e as relações humanas inseridas numa família típica de classe média, com posses e disputas individuais.


Se no filme anterior do cineasta existia um recorte infantojuvenil, de duas adolescentes que se veem impotentes e incertas com fatores tão comprometedores e geram tantas dúvidas, como um caso extraconjugal do pai das duas meninas, sendo ambas inseridas em uma relação inesperada em que o comportamento delas é moldado por essas vivências e o desenvolvimento pessoal e o percurso de amadurecimento é atravessado por questões muito fortes e simbólicas.


“Tia Virgínia” coloca a influência familiar em um contexto mais frontal, direto e menos individualizado, apesar de não significar que a personagem não terá um elo importante e não será aprofundada (algo que acontece com louvor). O longa-metragem passa diretamente pelas experiências e sensibilidades dessa personagem, que está vivenciando o ápice da sua maioridade como uma mulher septuagenária, mas sonhadora e com muitos planos, interrompidos pela necessidade de viver em uma casa antiga com a mãe, portadora de uma demência em fase final, e é nesse turbilhão de conflitos e dilemas que vive Virgínia (Vera Holtz, em um tour de force impressionante).


Fica claro, portanto, que a história vai ser contada pelos olhares e reações da personagem interpretada pela atriz veterana. Mas o texto não se limita apenas a enxergar o que o meio impacta na vida da personagem título, mas assim como pode ser apreendido pelo título, a ênfase deste filme. É, sim, discutir a complexidade das relações familiares, mas para isso coloca um mecanismo muito específico e simbólico para ambientar o filme, isto é, se passar ao longo do natal em um reencontro com as duas irmãs, além da presença de sobrinhos, um dos maridos, além da funcionária designada a cuidar dos preparativos e demandas típicas desse período.


TIA VIRGINIA VERA HOLTZ

Muitos aqui já devem ter uma longa experiência de como costumam ser essas reuniões em família. Agora adicione o contexto problemático levantado nos parágrafos anteriores, somados ao falecimento recente do patriarca dessa família. Novamente, o roteiro, também escrito pelo próprio Meira, consegue canalizar esse cenário mal resolvido, conflitivo que permeia diversas emoções contrastantes e arbitrárias. E é como se a cada passo algo fosse revelado, como um jogo de pequenas revelações e que pudéssemos enxergar quem de fato são aquelas pessoas para além da conveniência e adequação social de um contexto de festividades.


Diferentes exames sociais com alcances muitos próximos já foram trazidas ao cinema, talvez uma das mais simbólicas e marcantes da história seja “O Anjo Exterminador” de Luis Buñuel, que trabalha exatamente este conceito de máscaras sociais sendo escamoteadas e caindo uma por uma. Entretanto, se o clássico do diretor espanhol vai enfatizar essas relações com um humor inapelável e sátiras ácidas, a recente adaptação para os cinemas da obra de Luiz Fernando Veríssimo para “O Clube dos Anjos” também discute tópicos similares que desmascaram a hipocrisia humana e ironiza a cômoda conveniência social nas relações interpessoais, e é claro, o filme tematicamente está longe de inventar qualquer abordagem, mas se sustenta pela forma como estrutura e direciona as ações cênicas contidas na obra.


TIA VIRGINIA VERA HOLTZ

O diferencial aqui, está em como a produção consegue manifestar um viés humanista e simbólico das relações humanas, sem soar manipulativo ou excessivamente romantizado. Todos os personagens exalam uma carga forte de verossimilhança, a ponto de nos compararmos como membros de nossas próprias famílias, pelas atitudes, ações e principalmente, a interação de todos com essa “Tia” do título. A utilização dessa personalização não só nos aproxima, nos faz entender e sentir uma empatia de Virgínia, mesmo por meio dos momentos mais questionáveis e problemáticos do comportamento que ela apresenta.


Entre os olhares, vemos o melhor e o pior de cada membro dessa família. E é essa percepção vigilante em entender o quão complexo, e quão problemáticos podemos chegar. É uma força notória que é defendida nesse carrossel de emoções que é leve, é atrapalhado, chega a ser devastador, desconfortável, errático, mas é nessa somatória incontável de erros e imprecisões que o filme identifica a humanidade, com todos nossos problemas, vícios, mas sempre com sonhos, desejos e nossas verdades. É aí que Tia Virgínia chega.


O filme estreia nos cinemas no dia 09/11/2023

 

FICHA TÉCNICA

Roteiro/Direção: Fabio Meira 

Produção: Roseira Filmes e Kinossaurus Filmes 

Produzido por:  Janaina Diniz Guerra, Fabio Meira 

Produtor Executivo: Camilo Cavalcanti 

Produtor Associado: Thiago Macêdo Correia 

Direção de Fotografia:  Leonardo Feliciano 

Direção de Arte: Ana Mara Abreu 

Figurino:  Rô Nascimento 

Técnico de Som: Marcos Manna  

Montagem: Karen Akerman, Virgínia Flores 

Desenho de Som: Ruben Valdés 

Música Original: Cesar Camargo Mariano

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