Conhecido por ter coescrito o roteiro do aclamado “Central do Brasil”, Marcos Bernstein agora dirige seu terceiro longa-metragem de ficção.
De cara, o diretor deixa bem claro as suas intenções políticas com a obra. Como é informado: “50.000 pessoas morrem por arma de fogo no país. 6.000 por atuação da polícia.” e em uma clara tentativa de associar o aumento do registro de novas armas com o aumento das mortes, informa: “o crescimento anual de casos pulou de 0,9% para 4%.” Em uma tentativa de assalto mal orquestrada, a filha da advogada Carla (Cláudia Abreu) é baleada e fica em coma. A personagem, não aceita a situação, e no meio de momentos de culpa, raiva e tristeza, procura um grupo de apoio. Vendo o descaso e a lentidão da polícia, Carla procura vingança. Lendo a sinopse, a obviedade da trama é óbvia. E infelizmente, é isso mesmo. Com o uso apenas correto dos flashbacks, conseguimos ter uma noção de como foi o acidente e até como era a convivência entre mãe e filha, já que o filme inicia com o resultado do assalto.
O diretor não esconde a intenção de emocionar e de gerar revolta, e até utiliza de alguns clichês para mostrar a revolta materna. Em um momento, Carla, retira espontaneamente um taco de golfe da mala e destrói todos os vidros do próprio carro, quem nunca viu essa cena? Falando em clichês, a personagem principal, no ensejo de decidir o que fazer com a sua revolta, vai a uma concessionária e pede um carro blindado: “O nível 3 de blindagem não é maior nível… Eu pesquisei.”, e Carla sai com o seu primeiro “superpoder”, o carro indestrutível.
Alerta de spoiler abaixo! Ao som de uma trilha sonora extremamente genérica, conseguimos ver a revolta da protagonista chegar a níveis preocupantes ao sair pelas ruas do centro do rio com um retrato falado na mão e atacando pedestres aleatórios. Sabendo que precisa de ajuda para encontrar o culpado pelo drama de sua filha, Carla se encontra com um advogado que trabalha na mesma firma que ela (Alexandre Borges). O advogado em questão é publicamente envolvido com criminosos e policiais corruptos, o que não intimida Carla. Deixando claro que não confia na inteligência de seu espectador, o roteiro apresenta o primeiro de muitos diálogos expositivos e constrangedores. “Você não atua na minha área, Carla… você não atua no crime igual a mim.”. Como se isso não fosse o suficiente, em uma cena de perseguição iniciada em um baile funk, que percorre a favela, é difícil não perceber que em toda casa que Carla passa enquanto está correndo toca um “funk proibidão”. Anteriormente comentei sobre um “superpoder” que Carla adquire, e parece que o filme tenta construir uma super-heroína mesmo, basta notar que até um uniforme a personagem escolhe adotar. Nesse caso, fugindo de todos os clichês e ficando somente no ridículo, Carla se traveste de Bate-Bola.
Após tentativas fracassadas de vingança, Carla resolve acabar com o sofrimento da filha e depois tenta se matar. Sem surpreender ninguém, a arma falha e Carla termina com uma bala alojada na cabeça. Depois desse verdadeiro milagre, achei que seria interessante o filme investir em uma trama envolvendo uma possível mudança de pensamento da personagem, principalmente após “vencer a morte”. Ledo engano. Carla agora conta com seu novo “superpoder”. Em mais um dialogo aterrorizante, a personagem de Júlia Lemmertz solta naturalmente que “as pessoas não sabem que uma lesão cerebral pode ser a causa de mudanças de comportamento.”
É difícil conceber que acabamos de entrar em um filme de super-herói com intenções politicas, mas entramos. Entramos?
Me pergunto se a personagem de Lemmertz também tem uma lesão cerebral, já que achou genial levar personagens de luto a um cemitério. É só esquecer que a única justificativa dessa cena é contar a história da líder do grupo de apoio, e que no final isso terá relevância. Agora Carla não quer somente conhecer o culpado direto pelo seu drama, ela quer conhecer o sistema e todos os envolvidos na venda da arma que matou a sua filha. E claro, o filme não faz nenhuma questão de explicar como uma pessoa sozinha, sem experiência e sem os recursos do James Bond, consegue encontrar pessoas com tanta facilidade. Sentada em um bar, Carla avista um pedestre transportando um simples micro-ondas e resolve segui-lo. A única justificava para essa atitude são poderes sobrenaturais. A bala alojada em sua cabeça? Ela não quer tirar. Não até se vingar. A vingança? Montar um grupo de terapia compostos pelo bandido que atirou em sua filha, o policial corrupto que vendeu a arma ao bandido, e um policial rodoviário federal que contrabandeia armas na fronteira do país. E óbvio, ela precisa levar a líder do grupo de apoio para presenciar isso. “Você ajuda a entender o que acontece depois do tiro, eu quero entender o que acontece antes.”. Em um momento incrível de humor involuntário, a líder do grupo questiona se Carla acha que irá resolver o problema desse jeito. “Claro que falta o dono da fábrica de armas e os acionistas…” Surpreendendo com todas as razões erradas, “Tempos de Barbárie — Ato I: Terapia da vingança” mira na crítica política e acerta na pura e constrangedora galhofa. Podem ficar tranquilos, deixarei o plot twist final de fora.
Nota: 3
O filme estreia exclusivamente nos cinemas no dia 17/08/2023.
FICHA TÉCNICA
Elenco: Cláudia Abreu, Júlia Lemmertz, Alexandre Borges, César Melo, Kikito Junqueira, Pierre Santos, Adriano Garib, Claudia Di Moura, Roberto Frota e Giovanna Lima
Direção: Marcos Bernstein
Roteiro: Marcos Bernstein, Victor Atherino e Paulo Dimantas
Produção: Katia Machado, Alex Mehedff, Gualter Pupo, Luis Vidal e Marcos Bernstein
Empresas Produtoras: Hungry Man, Pássaro Films e Neanderthal MB
Coprodução: Globo Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Direção de Fotografia: Gustavo Hadba
Direção de Arte: Tiago Marques
Montagem: Tainá Diniz, Danilo Lemos e Marcelo Moraes
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