Sofia Coppola atingiu um patamar, depois do grande culto e aclamação de filmes como "As Virgens Suicidas", "Encontros e Desencontros" e "Maria Antonieta" e em qualquer projeto que ela assine o nome na cadeira de direção vem cercado de algumas expectativas, as mesmas aumentam significativamente quando se adiciona uma releitura da vida de figuras públicas como Elvis e Priscilla Presley (o título do filme não deixa dúvidas de qual o enfoque dado para produção), entre outros fatores, surge por "Elvis" de Baz Luhrmann ainda estar bastante fresco na memória dos espectadores e que desagradou alguns pela estetização extravagante do cineasta australiano e o tratamento dado a única esposa do “Rei do Rock”, qual seria então o olhar e o ângulo de Coppola?
O arco narrativo do filme não deixa dúvidas que se trata primariamente sobre as origens e o desdobramentos desse relacionamento pelo olhar e individualidade da própria Priscilla. Ela, que tem o primeiro contato com o cantor, como uma menor de idade, ainda em pleno processo de descobertas do mundo à sua volta e também de se autoconhecer, não deixando escapar as inseguranças e um certo desconhecimento dos caminhos a percorrer. E em uma situação do acaso e incentivada por amigos conhece numa festa particular, a superestrela, Elvis Presley. Os dez anos de diferença, a virilidade do cantor e do jeito que ele é retratado evidenciam um certo abismo entre os estágios de vida e como ambos são vistos pela sociedade.
Por essas amarras, “Priscilla” vai se desenrolando e mostra como o desabrochar da protagonista encontra as atitudes, ações e posturas de Elvis. Portanto, é um filme que acompanha, com apreço, ao processo cronológico de refletir particularidades, nuances e inflexões de um relacionamento, inegavelmente problemático e, no mínimo, discutível perante a sociedade. No que é, em última instância, um discurso que traz lentes sobre o desamor e, especialmente, a subjugação afetiva e comportamental de um homem sobre uma mulher, ampliado pela notoriedade pública projetada pelo apelo midiático e público.
Se apropriar de histórias e abordar figuras solitárias e impactadas, por meio nominalmente agressivo e desfavorável, são tópicos de grande interesse e isso pode ser visto mediante diferentes texturas, formas e contextos, mas que resvalam neste eixo temático de alguma forma, como alguns dos filmes citados como "Maria Antonieta" e "Encontros e Desencontros" e até mesmo na releitura de "O Estranho Que Nós Amamos". Neste novo trabalho ela ressignifica os silêncios e uma certa sensação de um apagamento, de vontades, desejos. Colocando a Elvis uma chave que controla as vontades e necessidades de Priscilla. Um apagamento, tanto pela ausência quanto pela arbitrariedade imposta, e mesmo que ela fale e se posicione quanto à vontade e sua intimidade, tudo parece em vão.
Dificilmente o filme funcionaria se não tivesse uma atuação tão comprometida e complexa de Cailee Spaeny ("Vice"), em um trabalho que exige muito de uma gradação de emoções e percursos, refletidos na passagem do tempo e nas etapas desse relacionamento, então a forma segura e enfática que a atriz compõe Priscilla, entre a fala mansa, o olhar tímido e postura resguardada, sustentar a paixão que sente pelo astro e refletir a maturidade dela, de se conhecer melhor, se proteger. E a atriz consegue dar vazão a todos esses períodos com segurança e domínio.
O mesmo não pode ser dito para Jacob Elordi, que parece um pouco contaminado pela caricatura, e transmite uma certa apatia e indiferença para um personagem que já tinha a empatia, naturalmente dificultada pelos rumos e tratamentos dados a esta história e o fato da atuação expressiva e potente de Austin Butler no filme de 2022. Estar no imaginário de muitos espectadores também pesa contra o ator, embora não seja justo comparar a atuação de ambos, pelo ângulo dado para a composição de uma das mais reconhecidas personalidades no mundo.
A composição do filme vai de uma colocação de época que ambienta os personagens pela direção de arte e figurino para o contexto onde a produção é posicionada, mas existe uma certa noção de anacronismo, que poderia se passar em qualquer lugar, época. Não apenas por meio do tema e do debate, mas também pela forma, os cortes detalhistas e organicamente interligados com a ação, a plasticidade da composição das cenas, como a difusão da luz é utilizada, tornando as sombras delicadas e suaves e os atores bem iluminados e com ênfase nas expressões.
“Priscilla”, no final, traz perspectivas e discussões, mais potencializadas pela força da atuação de Cailee Spaeney e apesar da pertinência do que é debatido, talvez possa ter um impacto diminuído pela frontalidade que o filme se coloca, não permitindo muitas interpretações para além do que está sendo reiterado e também não adiciona tantas camadas para o que Sofia Coppola já fez no passado, mas ainda, sim, é um estudo de personagem, com força e interesse pela ressonância biográfica e a releitura histórica por um olhar particular.
O filme estreia exclusivamente nos cinemas no dia 26/12/2023
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