Quais são as restrições e os limites de abordagem de um gênero pré-determinado e trabalhado à exaustão em outros meios, dentre eles, o cinematográfico? Como a intertextualidade age sobre a obra cinematográfica em si? Essas e outras perguntas parecem ser o ponto de ebulição para "Os Delinquentes", mais novo filme de Rodrigo Moreno ("O Guardião"). Neste caso, o ponto central do filme é o olhar para “os filmes de assalto a banco”, entretanto, Moreno não parece particularmente interessado em ceder a algumas características típicas e indispensáveis do gênero mais do que sedimentadas por inúmeras obras. Então o que faz o cineasta argentino?
Parte do território comum e funcionário de banco (Daniel Elias), privilegiado pelo acesso e a confiança recebida, implementa um roubo no próprio banco onde trabalha, entretanto, devido ao fato do negócio ser pequeno e local, cria um plano para o amigo de trabalho (Estebán Bigliardi) se tornar cúmplice.
Se estabelece, portanto, uma premissa que evidencia o thriller procedural, em um jogo de tensões, suspeitas e questionamentos a todo momento. E decerto, existe uma construção sólida neste sentido, mesmo que haja sobreposições de humor que delimita um comentário ácido em relação a uma autoconsciência de uma decadência moral, e mostra hábitos viciosos e gestos imprevisíveis.
À medida que a duração progride, fica cada vez mais claro que os compromissos de gênero são um gancho para evidenciar outras sensibilidades e interesses de Moreno, que traz uma polifonia a fim de não apenas desconstruir os elementos supracitados de tensão, suspense, e toques narrativos da investigação, e eleva esse humor do absurdo, a observação lenta e particular, a uma repetição cíclica e enfadonha de certos acontecimentos, além de estar abertos a devaneios.
Nesse sentido, o exercício de camadas, tons fabulares e crônicos de comportamentos, identificações e raízes desdobradas com muita paciência, paulatinamente, tome formas inimagináveis ou inusitados, onde a geografia e a nacionalidade importam muito para a narrativa, dialogam de forma direta com um tipo de cinema argentino, especialmente o da proeminente produtora El Pampero Cine, e a linguagem, o tratamento rítmico e a estrutura aproxima este filme de obras como o colossal, “La Flor”, e mais recentemente, “Trenque Lauquen”.
Não diferentemente das produções citadas, existe um apreço e pensamento particular em como a forma desta obra vai ressoar para o espectador. A imagem é transmitida de forma maximalista, isto é, a fotografia vai se desdobrando por muitos elementos em um certo embate entre o espaço e as pessoas à volta que parecem encurraladas, engolidas ou forçadas a se deparar umas com as outras numa distância limítrofe. Ao mesmo tempo que existe um olhar para fora e uma exploração do exterior, seja nessas andanças ou principalmente transmitidos na segunda fase do longa-metragem.
O aceno com a trilha sonora, propicia essa estranheza e particularidade, que gera uma sensação agridoce que nem é tão tensa e impactante quanto se esperaria de uma história de roubo, queixas e traições, mas que também reverberam algo mais etéreo e característico, numa mistura muito particular de tradições e estilos musicais.
É bem verdade que essa apropriação para muitos pode soar apenas como um exercício vazio que inutiliza as potencialidades narrativas, como a construção horizontal das emoções dos personagens, que transforma o suspense como veículo para outras sensibilidades, mas é justamente neste movimento vertiginoso e inquieto que reside essa essência de ressignificar e conseguir, na verdade, tocar em questões similares e ser um ensaio sobre o comportamento humano a partir da imoralidade, com um discurso imprevisível e, místico até.
Ficha Técnica
Direção: Rodrigo Moreno
Roteiro: Rodrigo Moreno
Produtor: Ezequiel Borovinsky
Coprodutores: Julia Alves, Bruno Bettati, Natacha Cervi, Gilles Chanial, Hernán Musaluppi, Paola Suárez
Elenco: Daniel Elias, Esteban Bigliardi, Margarita Molfino, German De Silva, Laura Paredes, Mariana Chaud, Cecilia Rainero, Javier Zoro Sutton, Gabriela Saidon
Direção de Fotografia: Alejo Maglio, Ines Duacastella
Direção de arte: Laura Caligiuri, Gonzalo Delgado
Montagem: Rodrigo Moreno
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