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Foto do escritorMarcio Weber

Oldboy: Restaurado e Remasterizado


poster oldboy restaurado

Partindo de uma celebração de 20 anos após o lançamento original do filme sul-coreano “Oldboy” (2003) de Park Chan-Wook, o segundo de uma trilogia composta ainda por filmes como “Mr. Vingança” (2002) e “Lady Vingança” (2005), "Oldboy", em sua versão restaurada e remasterizada chegou ao concorrido circuito exibidor na última quinta (14/09).


O filme teve a cópia remasterizada a partir do negativo original de 35 mm e é considerado um dos principais representantes do cinema do Século XXI. A adaptação do mangá de Nobuaki Minegishi e Garon Tsuchiya vai muito além das premiações e festivais de cinema. Um dos maiores portais de cinema do mundo, o IMDB (Internet Movie Database) coloca o filme no top 200 (na 191ª colocação). Financeiramente, o filme arrecadou cerca de 7,9 milhões de dólares globais, 3 vezes mais que o orçamento original (em torno de 3 milhões de dólares) e ainda recebeu uma adaptação estadunidense em 2013, com direção de Spike Lee. Porém, os predicados dos filmes são mesmo a recepção da crítica e público, com quase 1 milhão de usuários que cadastraram o filme na rede social inteiramente voltada para o cinema com pessoas de várias partes do mundo. O Grande Prêmio do Júri, além de prêmios em países como Portugal, Itália, Inglaterra, Hong Kong e na própria Coreia, são apenas um dos indicativos que se trata de um filme superlativo e que o raro relançamento de um filme contemporâneo em diversos continentes não é um mero movimento do acaso.


oldboy restaurado

A obra cinematográfica em si, a história que não poupa o espectador do choque da violência e do teor gráfico, a amálgama de estilos e gêneros, a intriga e a revelação, e especialmente, do enviesamento de uma narrativa na qual Chan-Wook não faz concessões e entrega por meio de uma sofisticação singular na qual as cenas parecem dificílimas de serem acompanhadas, mas estranhamente tudo vai sendo encaixado e ordenado, com elementos acessíveis e até mesmo didáticos, mas numa medida incrivelmente controlada.


Oh Dae-Su (Choi-Min-Sik), é um dos personagens mais intrigantes e bem construídos do século XXI, a qual transparece a amoralidade, a fúria, a bestialidade, mas também apresenta uma complexidade na busca de compreender os conceitos de justiça e injustiça, o que fez ele ser vitimado com um encarceramento de 15 anos. O que legitima um indivíduo ter a total privação da própria vida, por tanto tempo, mal alimentado, com pouquíssimas opções de lazer e sem nenhuma possibilidade de socialização, muito menos relações sexuais, mas que é perversamente sedado a fim de que ele não tire a própria vida? O percurso de despersonalização do personagem, em que ele passa a ser tão somente um desejo notável de vingança, deixa qualquer tipo de sensibilidade e essência que o humaniza de lado.


oldboy restaurado

Um dos principais méritos do roteiro assinado por Park Chan-Wook, em colaboração com Chun-hyeong Lim e Hwang Jo-Yun, é a construção da intriga e do mistério, a elaboração de pistas que vão e vem e narrações em off que sedimentam algo, mas sem enunciar com total clareza o que acontecerá. Alguns espectadores podem até suspeitar e ligar alguns pontos a serem confirmados ao passo que os atos finais chegam nos momentos mais conclusivos, porém, o filme nunca é previsível em sua execução, com inúmeras passagens que parecem puxar o espectador pelo braço e rumar para um caminho surpreendente, seja pelo impacto da execução e a brutalidade (justificada dramaturgicamente), ao longo da projeção.


A direção de arte, assinada por Seong-hie Ryu, é assombrosa, com uma execução de tirar o fôlego. O pesadelo e o caos brutal transmitidos pela mise-en-scène são perfeitamente traduzidos por cenários milimetricamente calculados que vão da sujeira do espaço do cárcere sofrido por Oh-Dae-Su, com a sujeira e insalubridade de objetos de cenas desprovidos de vibrância e com pouco impacto cromático e cômodos interpostos, com televisores ultrapassados, até ambientes com uma coloração saturada e de muita imponência visual, contendo inúmeros detalhes convidativos para novas revisões. Assim se percebe a relevância de como a direção de arte eleva ainda mais essa história.


oldboy restaurado

A trilha sonora de Cho Young-Wuk ajuda o filme a elevar o potencial épico articulado, que já é muito forte isoladamente pela natureza do enredo do filme. Os arranjos imponentes, e muito refinados, aliadas a uma sincronização cautelosa com algumas passagens e elementos sonoros captados diretamente para a produção, criam uma sensação de imersão, sendo ainda mais perceptível na grande tela de projeção do cinema.


É impossível não destacar a participação de Park Chan-Wook nessa obra, uma vez que existe uma afinação muito bem demarcada no quê é destacado, sejam certas situações e atuações, objetos de cena, variâncias tonais entre cenas mais violentas e cenas de tom mais brando, a dramaticidade e a expressão dos atores, e qual a sensação será perpassada por eles. O controle e a elegância visual administradas com uma precisão implacável transmitem a acachapante implacabilidade de uma ideia que já é desconcertante pela simples ideia do material original. E é pela condução, aclimatação e desenrolar brutal, que Park Chan-Wook não abandona as nuances complexas e ambivalentes da natureza do ser humano.


Mas se o filme é tão feliz em sua proposta de execução, parte dos louros também tem de ser creditados para Choi-Min Sik. O ator parece estar em um estado de graça e eleva a execução dramática do filme. O desequilíbrio, a instabilidade, a alienação em relação ao mundo e principalmente a perda de qualquer tipo de princípio, é defendida a cada olhar assustador, a cada fala mal anunciada, rouca e gutural do ator levado para a correnteza não solucionável da vingança e da culpa.


oldboy restaurado

Oldboy” apesar de corresponder diretamente com o tema proposto pela trilogia, vai além de apenas instrumentalizar os desdobramentos de uma vingança e explora elementos que desembocam no desejo irremediável de prejudicar, retribuir negativamente uma situação para vida de outra pessoa, independente do que isso possa significar. Mas também funciona com um estudo da seletividade e esquecimentos da memória de algo que influencia tão negativamente o outro, do exercício da perversidade, o desejo condenado. Portanto, por meio de temas tão complicados e sensíveis, a obra de Chan-Wook consegue quebrar barreiras e sedimenta um tipo de cinema que foi tão influente e significativo na indústria cinematográfica global que ajudou a transformar o status cultural que a Coreia do Sul possui hoje em âmbito mundial.

 

FICHA TÉCNICA

Direção: Park Chan-wook

Roteiro: Park Chan-wook, Chun-hyeong Lim, Hwang Jo-yun

Produção: Kim Dong-Joo, Lim Seung-yong

Elenco: Choi Min-sik, Yoo Ji-tae, Kang Hye-jeong, Kim Byeong-Ok, Dae-han Ji

Direção de Fotografia: Chung Chung-hoon

Desenho de Produção: Ryu Seong-hie

Trilha Sonora: Jo Yeong-wook

Montagem: Kim Jae-beom, Kim Sang-beom

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