Conhecido anteriormente por comédias como "Segurando as Pontas" e "O Babá(ca)", David Gordon Green volta a missão, que parece ter obtido satisfação, de tentar renovar obras clássicas do terror americano. O diretor começou com o bom, "Halloween", lançado em 2018, e dirigiu a nova trilogia inteira, finalizando com o não tão satisfatório, "Halloween Ends" (Ouça o episódio no OdisseiaCast). Por muitos, considerado o primeiro filme de terror slasher, "Halloween", criado e dirigido pelo lendário John Carpenter, moldou uma série de filmes do gênero, isso sem contar com os mais de 10 filmes produzidos para a saga.
E diferente de "Halloween", "O Exorcista" de 1973, dirigido por William Friedkin, não conta com um serial killer fantasiado que anda um enorme facão. O filme de Friedkin não me parece ter ficado marcado necessariamente pelas características de seus personagens, como Regan (Linda Blair), a jovem que foi possuída no filme original, ou a sua mãe, Chris MacNeil (Ellen Burstyn) que lutou para que sua filha voltasse a normalidade. O filme não é do subgênero citado anteriormente e detém outros predicados. É difícil encontrar alguém que não conheça pelo menos uma cena da obra, marcada pela coragem demonstrada ao lidar com temas que são considerados espinhosos até hoje, imaginem nos anos 70. A obra ficou marcada por seus predicados criativos, técnicos e visuais. O filme tem começo, meio e fim.
E se no X (antigo Twitter), se tornou frequente as discussões sobre o limite do humor entre comediantes e espectadores, entre os cinéfilos e profissionais da área é frequente a discussão sobre o desgaste criativo que Hollywood tem demonstrado ao reciclar filmes clássicos puramente por motivos financeiros e não porque tem caldo para tirar da obra. Após o lançamento de "O Exorcista: O Devoto", é inevitável que a discussão volte aos feeds.
Nesse filme, conhecemos a história da família Fielding que naquele momento se encontra em Porto Príncipe, capital do Haiti. Sorenne (Tracey Graves) está grávida de Victor (Leslie Odom Jr.) e caminha pelo lugar enquanto seu marido tira fotos. Talvez a primeira tentativa de referenciar o filme original, mesclando transições entre as fotos tiradas, latidos de cachorro e a mulher. Logo após a personagem receber uma benção, um forte terremoto atinge a capital e Sorenne é atingida pelos escombros, deixando com Victor a difícil escolha de salvar a vida de sua mulher ou a de seu bebê. O personagem acaba optando pela criança.
Um pouco mais de uma década após o acontecimento, na Georgia, conhecemos uma pré-adolescente, Angela (Lidya Jewett), curiosa e vegetariana, e que não parece estar marcada pela morte de sua mãe. E apesar do diretor demonstrar naturalmente sua falta de criatividade, ainda é surpreendente a escolha de caminhos tão clichês. Obviamente, a personagem será atraída por sua amiga Katherine (Olivia O'Neill) para participar de uma brincadeira com objetivo de falar com espíritos, utilizando uma espécie de pêndulo. Elas vão até uma floresta próxima e desaparecem em seguida.
Antes religioso, Victor agora é cético e tenta manter distância de templos e cultos, desviando constantemente das tentativas de seu amigo para comparecer. "É um pouco estranho quando vocês começam a falar em línguas". Ceticismo esse que começa a ser desafiado quando sua filha é finalmente encontrada e alguns detalhes sobrenaturais aparecem na casa da família, como uma foto revelada de forma estranha ou quando sua filha urina na cama e arranca suas unhas.
Angela e Katherine são encontradas em uma fazenda a 50 km de distância, logo após um cavalo ser encontrado morto. As duas não se lembram que desapareceram por 3 dias e após uma longa bateria de exames, apesar de algumas escoriações, estão fisicamente bem.
Os pais de Katherine são evangélicos e levam a filha para um culto, momento este que gera alguma expectativa, só basta lembrar o que foi feito com um crucifixo no filme de 1973. Como dito anteriormente, o filme de Friedkin ficou marcado pela coragem demonstrada, característica ausente no filme de 2023, já que a primeira cena com potencial para marcar, foi desperdiçada. Até quando a personagem flerta com gestos obscenos, a câmera foge para as reações. Se falta coragem a Gordon Green, nesse caso, a cena foi coerente com a proposta.
Até quando o roteiro flerta com questões sociais e religiosas, falta tanta força e ênfase, que fico na dúvida se realmente houve algum flerte, se foi somente um devaneio. E apesar dos pais de Angela e Katherine demonstrarem algum nível de tensão religiosa, essa tensão nunca tem conflitos claros o bastante para se confirmarem. Na trilogia de "Halloween" dirigida pelo diretor, a personagem de Jamie Lee Curtis resolve escrever um livro de autoajuda contando tudo que passou. Em "O Exorcista: O Devoto" não fica muito diferente, já que na volta de uma personagem importante, descobrimos que ela também tem um livro para chamar de seu, é assim que Victor fica sabendo de sua história e resolve procurar ajuda, já que em um diálogo altamente expositivo, os personagens notam semelhanças entre o desaparecimento das meninas com a história de Jesus. Segundo eles, Jesus ficou 3 dias desaparecido e foi ao inferno reafirmar seu poder.
O foco do diretor parece estar em deixar o espectador constrangido mesmo. E essa teoria se confirma, quando o diretor encontra tempo para botar um discurso panfletário sobre religião, fé e esperança na voz de uma atriz que já não queria reinterpretar sua personagem, ou quando escala um ator com o carisma de uma porta para interpretar um padre que não convence o espectador, muito menos a instituição que o representa. Aliás, o padre perde um bom tempo para escolher entre salvar duas crianças que estão sofrendo ou respeitar a decisão de sua igreja. Cabe ao filme dar espaço a religiões de matriz africana na tentativa de renovar o formato, mas o que salva as meninas é a união da esperança, fé e amizade dos envolvidos no exorcismo. Complicado.
Ajudando a reforçar todas as discussões sobre a falta de criatividade em Hollywood, David Gordon Green mostra que está mais interessado em deixar uma marca em clássicos que não poderiam ser idealizados por ele, do que marcar pela originalidade e influenciar, como foi com os filmes que ele tenta estragar.
O filme estreia exclusivamente nos cinemas no dia 12/10/2023
Nota: 4
Comments