Antes de propiciar os espectadores com “O Marinheiro das Montanhas” (2021), uma viagem emocional nas profundezas montanhosas da Argélia, Karim Aïnouz, voltou as lentes para documentar os protestos políticos que foram tão presentes e significativos na conjuntura histórica recente do país do Norte da África.
A documentação de acontecimentos em curso está largamente impressa nesta produção, que realmente deixa uma sensação de urgência e que algo está acontecendo. Os protestos que se iniciaram em 2019, período das filmagens, que foi prolongado ao longo de dois anos, passando até mesmo o lançamento oficial da produção do cineasta cearense até chegar nas primeiras exibições oficiais.
O olhar sobre a Argélia dessa vez passa diretamente pela ótica da jovem ativista Nardjes, a determinação, os anseios e as perspectivas individuais voltam o interesse de um diretor especialista em transmitir a humanidade de seus personagens, ou seja, desdobrar e firmar sentimentos, visões de mundo e refletir sobre o espaço que ocupam no presente humano. A atriz social do filme certamente tem o que dizer e possui um perfil carismático e presente, e não são poucas às vezes que ela se posiciona e chama atenção para si ao longo das revoluções.
Porém, diferentemente de outras produções de Karim, por se tratar de algo de interesse coletivo, que diz a respeito sobre os rumos de toda uma nação, o recorte identitário estabelecido parece questionável, uma vez que as relações pessoais, os conflitos paternos, o ofício de atriz passam a ser somente de Nardjes e paralelamente a isso, não são poucas as cenas que mostram a convulsão e a ebulição social presente na África.
Os rostos passam tão somente a serem rostos, e o calor da revolução parece um tanto esterilizados pela comunicação de somente uma articuladora que muitas vezes não fornece a dimensão social e historiográfica do que é se aglutinar em multidões, se rebelar e protestar contra o sistema político hegemônico do país.
A decisão do diretor em ser menos assertivo e mostrar a concentração de pessoas parece uma escolha frágil à medida que grande parte dessa população se tornam apenas rostos representados diretamente pela jovem alçada à protagonista. Entre muitas faces e poucas vozes, a contextualização histórica tardia gera certos buracos que não são preenchidos com a cartela informativa presente ao final da produção.
Mesmo com cenas sensíveis e momentos que trazem certa empatia para a personalidade central retratada, o escopo abrangente e coletivo enfraqueça o senso de urgência, mesmo que traga reflexões e traga a possibilidade de conhecer mais sobre a história mundial e traçar paralelos com a movimentação política do Brasil, a ressonância e o alcance da produção parecem limitados pelas escolhas narrativas do filme.
O filme estreia exclusivamente nos cinemas no dia 28/09/2023.
FICHA TÉCNICA
Direção: Karim Aïnouz
Direção de Fotografia: Juan Sarmiento
Montagem: Ricardo Saraiva
Som Direto: Ilyas Mohammed Guetal
Assistente de Direção: Viviane Letayf, Mourad Hamla
Desenho de Som: Sebastian Morsch
Coordenação de Produção (Alemanha): Jule Jäger
Coordenação de Produção (Argélia): Richard Djoudi
Direção de Produção: Eddie Chebbi, Naomie Lagadec
Produtores: Marie-Pierre Macia, Christopher Zitterbart, Claire Gadéa, Richard Djoudi, Janaina Bernardes
Coprodutor: Canal Brasil
Produtores Associados: Sarah Trifi, Fouad Trifi
Apoio: Doha Film Institute - Desenvolvido por Final Cut em workshop da Bienal de Veneza
Distribuição Brasil: Gullane
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