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Foto do escritorMarcio Weber

Festival do Rio 2023 | Dia 1


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O Vento Que Arrasa O Vento que Arrasa” é o novo longa-metragem da diretora argentina Paula Hernández, livremente inspirado no livro homônimo da romancista Selva Almada, também do país sul-americano. O filme orbita nas interações familiares que de um lado ilustra o conservadorismo religioso e moral de um pai, missionário evangélico, interpretado pelo onipresente ator chileno Alfredo Castro (“Tenho Medo Toureiro”), e da filha, interpretada por Almudena González (“Argentina, 1985”), uma jovem adulta que não completou vinte anos, e que se encontra em pleno processo de descobertas e tentativas de se conhecer melhor.

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Hernandez se apropria de uma abordagem característica, que é muito trabalhada em diversos filmes “coming of age” que ilustram algum tipo de rito de passagem por meio de conflitos e situações que colocam a existência do ou dos personagens à prova.  Nesse sentido o filme não se afasta dessa abordagem, mas traz como virtudes a observação, incorpora a erma, rural e distante província que faz fronteira com o Brasil e mais especificamente trabalha de forma frontal com os desdobramentos da fé no microcosmos, não só da protagonista, mas como todos envolvidos ao longo do filme. A produção cria uma narrativa lenta e uma sensação de tensão iminente e é a partir do encontro de pai e filha com o misterioso Gringo (Sergi López) e especialmente, o instável e arredio Tapioca (Joaquín Acebo) que o motor do filme vai se desenhando de forma lenta e gradual. A observação se faz presente na montagem que indica por pequenos fragmentos de planos detalhes e close ups e faz uma oposição fluída dos espaços, sensações e reforça o lugar de mundo da personagem principal, que vive entre um dilema de afirmar os próprios gostos, sensações e encontrar uma voz, enquanto parece podada e mitigada pela imposição regrada e manipuladora do pai.  Enquanto a direção de fotografia comandada, por Iván Gierasonchuk (também comandou a fotografia de “Os Sonâmbulos"), reforça uma ideia de observar as entrelinhas, espaços como frestas de janelas e espaços entre as árvores que indicam hostilidade, enquanto a luz é muito trabalhada no interior e exterior que dão um toque sublime, entre os tons o vermelho é colocado com recorrência ressaltando a opressividade da narrativa. Alfredo Castro é o principal destaque, com uma atuação frágil e complexa, consegue humanizar um personagem de difícil empatia com o público, trazendo fragilidades e pontos de identificação, mas que não esconde as violências, os excessos e a constante sensação de ameaça. Enquanto Almudena González demonstra vulnerabilidade e domínio na expressividade corporal. Embora tenha predicados promissores, a tensão e o choque estabelecido não resultam em algo tão potente quanto prometido e no fim, o filme acaba por reproduzir um discurso típico dessas narrativas.

 

A Fragilidade do Gelo A escolha oficial para concorrer ao Oscar por Cingapura é o mais novo filme de Anthony Chen ("Quando Meus Pais Não Estão Em Casa"). E ainda fez barulho na mostra Un Certain Regard, levando alguns prêmios, inclusive de melhor direção.  A ideia é trazer a vida de três adultos na faixa dos vinte anos, no auge dos seus questionamentos e angústias existenciais, a história, assim como o primeiro longa que assisti, tem em uma província um grande alicerce para que a história seja estruturada. Dessa vez a trama se passa em Yaji, cidade chinesa de 539 mil habitantes que faz fronteira direta com a Coreia do Norte, e a ligação social é desenvolvida de forma implícita.

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Aliás, a inferência e o simbolismo são os maiores recursos engendrados por Chen que acaba introduzindo e desenvolvendo o vínculo dos três personagens principais a partir de inferências e ocasiões que ditam mais pela emoção e força poética das cenas do que propriamente de contar a história deles cronologia e um detalhamento narrativo. Aqui mais importa os olhares, as atitudes intempestivas, as metáforas visuais e o atravessamento de uma sensação incurável de melancolia e deslocamento, portanto o gelo e a fragilidade do título entram de uma forma literal e crucial, que está estampada em cenas que demonstram esse desajuste social e um sentimento de não pertencimento para com o mundo. A diluição narrativa e o uso mais do que regular da música de Kin Leonn podem gerar um afastamento, uma sensação de distanciamento e excesso de controle. E é bem verdade que muitas das cenas estruturadas de maneira poética da narrativa podem ser reverberadas por inúmeros cineastas como Hou Hsiao Hsien e Xavier Dolan. Entretanto, a beleza e a comunicação fragmentada, mas tão potente de um sentimento tão marcante para os jovens dessa geração marcam um filme de virtudes e paradoxalmente de personalidade.

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