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  • Foto do escritorMarcio Weber

Ainda Temos o Amanhã | Festival de Cinema Italiano 2023


FESTIVAL DE CINEMA ITALIANO 2023

AINDA TEMOS O AMANHÃ

Qual o espaço da contextualização histórica inserida em uma dramaturgia? Até onde vai a licença poética e a suspensão da descrença? Quais são as fronteiras entre a comédia e o drama, e como o discurso interpreta isso? Estas foram algumas questões levantadas, para mim, ao fim da sessão de “Ainda Temos o Amanhã”, longa de estreia de Paola Cortellesi, experiente atriz italiana que se aventura pela primeira vez na cadeira de direção.


Ambientado diretamente no pós-guerra, em uma Itália arrasada, marcada pela devastação, ruínas, pela ocupação militar de tropas estadunidenses, e em um contexto direto das incertezas, liberdade cerceada que está a vida de Delia (a própria Cortellesi), uma dona de casa que vive com um marido abusivo, o sogro mais velho e completamente sem filtro e sem cerimônias, e os filhos, sendo uma dupla de meninos espevitados e muito bagunceiros, e a mais velha, uma jovem em amadurecimento com o desejo de exercer a liberdade individual.


É por um mosaico macrossocial que gradativamente vai para o micro, uma vez que a partir da contextualização histórica traz fatos marcantes, entre elas, a ocupação de tanques, a presença de oficiais estrangeiros, a dificuldade idiomática, o toque de recolher as condições ambientais impactadas diretamente por um dos eventos mais traumáticos da humanidade. Porém o maior interesse não é o retrato deliberado dos efeitos da guerra e sim, como uma dona de casa, vivendo num contexto temerário, encontra no lar, um inferno astral, em que a violência verbal e física, a incompreensão dos filhos, a intransigência do sogro, somado às incontáveis atividades domésticas criam um turbilhão de emoções da protagonista, que também precisa tentar se adequar ao que amigos e moradores esperam.


Difícil dissociar “Ainda Temos o Amanhã” com um cânone do cinema mundial, o neorrealismo italiano, especialmente pelo período retratado e o interesse em fazer uma espécie de retrato da sociedade italiana, porém existem pelo menos duas separações críticas, nesta produção um humor predominante que dita a ação, por mais que esteja imbuído de críticas e comentários ácidos e intervenções estéticas polidas, evidenciando uma intervenção da produção, sobretudo da direção de arte, que não abrem tanto espaço para uma ligação documental.


Aliás, a marca da direção é muito pontuada com planos minuciosas, cenas musicadas e até com estéticas de videoclipes desviando muitas vezes os acontecimentos e momentos, em prol de estabelecer a tentativa de catarses emocionais, uma pulsão lúdica dessa mulher aterrada pela história. Entretanto, a afetação e uso cínico da ambientação para reforçar um discurso, que parece ganhar poucas nuances e se faz mais óbvio à medida que os arcos vão se desenvolvendo.


Isso dilui ainda mais com concessões convenientes da narrativa e de situações absurdas e que não condizem com o desenvolvimento dos personagens, o desejo pelo exagero e os tons acima tanto por parte das interpretações quanto das colocações estéticas do filme passam uma sensação de banalização e dificultam o envolvimento empático, em especial, de Delia, mas que mesmo assim, de longe, ganha mais desenvoltura e complexidade aos demais retratados no filme, que vão no máximo para uma caricatura.


Apesar da força discursiva e se tratar de um recorte muito simbólico e significativo para a história mundial, a produção parece refém das afetações estéticas e problemáticas na construção de personagens, não trazendo um equilíbrio, para as relações, entre o fato histórico e a intenção do discurso, bem-intencionado, mas comprometido pelas fragilidades narrativas em jogo.

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