
“A Bela América” de António Ferreira ("Pedro e Inês"), é mais uma produção a estreitar as relações cinematográficas entre Portugal e Brasil nas salas de cinema com diferentes filmes como “Alma Viva”, “Terra Que Marca” e “Onde Fica Essa Rua? Sem Antes Nem Depois”, que chegaram mais cedo esse ano no circuito brasileiro. É a vez dessa coprodução entre os países de língua portuguesa aterrissar com a intenção de envolver o espectador com uma premissa que envolve uma abordagem cômica e satírica e toca em questões que vão da política, a espetacularização televisiva, relações familiares e até gastronomia.
A breve descrição pode ter dado indícios que se trata de uma produção ambiciosa que tenta fatiar diversas tendências, estilos e gêneros. É de fato isso que acontece no filme de Ferreira, mas até aí, tudo bem. A polissemia e multiplicidade de recursos e linguagens não é algo necessariamente comprometedor e alinhado com o cinema português, cito dois exemplos, entre a sátira política/comportamental e um puro suco de surrealismo no filme “Diamantino” ou a relação nebulosa e quase indistinta entre o que é ficcional e documental e como essas dinâmicas são atribuídas pela linguagem em “Aquele Querido Mês de Agosto”. Lembrando, claro, que se tratam de diferentes propostas e contextos e foram citados apenas a fim de exemplificar, historicamente, que existem vários exemplares que conseguiram ser convertidos em propostas particulares e com aceitação crítica, especialmente o último filme de Miguel Gomes.
Voltando ao filme, existem diversas janelas abertas por Ferreira: um estudo de personagem de um homem recatado, com um distinto dom para culinária e confecção de pratos, mas que tem a vida mitigada por ser o principal responsável pela mãe, deficiente visual. Neste arco, são levantados os impactos da disfunção familiar para as relações interpessoais, isto é, como a relação problemática e complexa atrapalha os planos e as projeções de relacionamento e vida do protagonista, Lucas (Estévão Antunes). Por outro lado, existe uma faceta predominante no filme, que é, América (São José Correia), uma candidata política isenta e de posicionamentos moralmente duvidosos, que entra de diferentes maneiras na vida do personagem principal.

Essas relações que entram em campos variados, abarca também uma faceta de desvio moral, uma vez que Lucas é completamente obcecado por América, e essas relações que poderiam estabelecer um thriller e comentários sociais, na verdade, é apresentado de forma atrapalhada, assim como todos os conflitos e arestas abertas pelo filme. A falta de verossimilhança e o excesso de convenções e características muito pré-definidas dos personagens dão uma sensação enfadonha, que se confirma com personagens que parecem nunca ter um rumo ou desejo definido, e todas as relações interpessoais, desejos e aspirações, de não apenas Lucas, mas todo núcleo central de personagens, parece ser catapultada apenas pelos caminhos aleatórios definidos pelo texto de César Santos Silva e do próprio Ferreira.
Por fim, “A Bela América”, possui diferentes rumos e possibilidades promissoras, mas parece completamente perdido por desenvolvimentos de personagens insuficientes, muitas linhas narrativas e estilos sem uma estruturação e delimitadas de forma adequada que resultam em uma obra que fica aquém das suas possibilidades como sátira política e estudo psicológico de personagens.
FICHA TÉCNICA
Direção: António Ferreira
Roteiro: António Ferreira e César Santos Silva
Produtores: Tathiani Sacilotto, António Ferreira
Coprodutores: Carolina Dias, José Barahona
Elenco: Estêvão Antunes, São José Correia, Custódia Gallego, Carlos Areia, Daniela Claro, João Castro Gomes, João Damasceno
Direção de Fotografia: Paulo Castilho
Trilha Sonora: Luís Pedro Madeira
Montagem: António Ferreira
Comentarios