Veríssimo, a crônica do crônico Dirigido por Angelo Defanti, que já demonstrou no cinema um íntimo interesse em mergulhar no universo literário e verborrágico do autor Luís Fernando Veríssimo, adaptando contos e livros, como recentemente “O Clube dos Anjos” (2020). Depois dessa conexão parece realizar um outro olhar para o célebre gaúcho, uma vez que muito se olha para o literato como cronista e um dos mais importantes membros vivos da literatura brasileira hoje, mas talvez não tenhamos tanto a dimensão dele como uma pessoa que essencialmente vive como qualquer outra.
Em um determinado momento “Não sei se as respostas foram boas, mas as perguntas foram”. Esta foi uma fala dita pelo escritor enquanto indagado por um entrevistador que se encarregava de realizar diversas perguntas de alto nível de complexidade, instigantes e até mesmo redundantes, isto acaba se incorporando à rotina específica e particular do escritor octogenário que concilia o ofício com a passagem dos anos e o envelhecimento incontornável. Responsável por iniciar e atrair gerações para o gosto da literatura, frequentemente é difícil escapar de idealizações, expectativas que parecem inevitáveis ante a persona calorosa do autor manifestada pela escrita cômica e de tendência universal, mas por maior que essa imagem seja, os primeiros minutos do documentário deixam claro que é importante enxergar as coisas com outro viés, afinal, estamos diante de um ser humano, como qualquer outro, com um modo de pensar, um cotidiano específico, responsabilidades e interesses.
A compreensão e ênfase dessas perspectivas parecem ser o ponto central do documentário mais do que a imagem que temos em relação a este sobrenome, a relevância, também do parentesco (pois estamos diante do filho do também celebrado escritor, Érico Veríssimo), estamos diante da observação da rotina de Luís Fernando, um homem a 15 dias de completar 80 anos, um sujeito taciturno, metódico e que não esconde o gosto pelas artes, começando por uma decoração clássica recheada de quadros minuciosamente organizados e coerentemente harmonizados no interior, com muitos livros, frequentemente ele escuta músicas consultando a capa do próprio álbum, a leitura de jornais. o gosto pelo futebol, e em especial a idolatria pelo Sport Clube Internacional de Porto Alegre se faz presente, mas não é só de gostos que vive o autor, que encontra espaço para a família e atenção aos netos, a esposa, e claro, para o próprio ofício de escrever que se resume a uma concentração imprescindível e a necessidade de um silêncio sepulcral. Também existe o espaço de contato com a esposa e os netos. E também espaço para o cuidado pessoal com procedimentos fisioterápicos rotineiros.
O interesse no olhar mundano de absorver a inclinação rotineira introspectiva do biografado traz uma particularidade, se por um lado o interesse na intimidade e de entender como uma pessoa que ganha visibilidade pública nos tempos de hoje não é exclusivo deste projeto. Um exemplo recente é “Boa Noite” de Clarice Saliby, que retrata o jornalista Cid Moreira, apesar dessas semelhanças, o que distingue o documentário de Defanti a outras biografias como a citada, é depositar o observativo e um método de cinema direto e mesmo quando o filme encontra momentos mais expositivos sobre a carreira, o tratamento com o público, como ele encara a relação com o pai são atravessados organicamente por ocasião de entrevistas, palestras e sessões de autógrafo, onde a relação contrastante entre um homem contido, de rotina pacata, que reluta para aderir à tecnologia, recebe um excesso de atenção, exposição fotográfica e até mesmo assédios. Mas todas essas questões vêm através da apreensão da realidade pelo olhar da câmera diante das situações, do que em entrevistas calculadas com pessoas próximas e narrações expositivas. A narrativa ganha contornos ainda mais analíticos com o desenho de som rigoroso que amplia a apreensão de certas ações e momentos tanto de isolamento quanto celebrações e momentos que o autor se depara com muitas pessoas.
"Veríssimo" pode desapontar aqueles que querem ouvir mais sobre a obra e a figura pública do autor. Entretanto, possibilita um recorte oportuno que permite vislumbrar uma “figura pública”, para além do senso comum já pré-determinado e assimilado no dia a dia brasileiro, menos folclórico e mais próximo do dia a dia, com as obsessões, situações desagradáveis e uma forte dose de rotina.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Angelo Defanti
Elenco: Luis Fernando, Lucia Helena, Clarissa, Fernanda, Mariana, Pedro, Lucinda, Davi, Andrew, Ricardo, Mafalda (in memoriam) e Erico (in memoriam).
Direção de fotografia: Angelo Defanti e Bruno Polidoro
Montagem: Eduardo Aquino
Desenho e edição de som: Felippe Mussel
Mixagem: Bernardo Adeodato
Coordenação executiva: Veronika Berg
Produtor associado: Daniel Ribeiro
Produção executiva: Bárbara Defanti e Diana Almeida
Produção: Bárbara Defanti, Diana Almeida, Angelo Defanti
País: Brasil
Ano: 2024
Duração: 98 minutos
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