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  • Foto do escritorMarcio Weber

Retratos Fantasmas


poster retratos fantasmas

Qual espaço da memória hoje, numa sociedade de hoje, uma vez que apagamentos e esquecimentos, estão tão sedimentados na nossa sociedade. Seja o aspecto social onde somos bombardeados com muitas informações, sejam de notícias, fotos, mensagens de texto, onde o acúmulo gera perdas, lacunas. Mas existe um aspecto, mais visível, onde as transformações são mais tangíveis e menos subjetivas, isto é, as alterações massivas do espaço geográfico. "Retratos Fantasmas", quinto longa-metragem do diretor Kleber Mendonça Filho, trata frontalmente sobre isso ao convidar o espectador a testemunhar como as salas de cinema de rua viraram ou estão virando, em alguns casos, um espectro, um artigo de memória ao comparar o registro histórico das salas de cinema do Recife no século XX e XXI.


A escolha do diretor em abrir logo no prólogo, não é por à toa, com a música de Tom Zé, "Happy End", que objetivamente trata sobre saudade, mágoa e a impossibilidade de superar uma expectativa que ficou para trás, em um passado impossível de ser resgatado.

Todavia, mesmo que esse sentimento esteja engasgado na garganta e possa ser passível de observado em todo discurso de Kleber Mendonça Filho, que não apenas assume a direção, mas como um personagem direto, e empresta parte de sua vida para ressignificar o tema.


Afinal, o cinema é um veículo artístico que se apropria tão intensamente da vida, então é pertinente e compreensível que o cineasta não faça nenhum tipo de distanciamento entre a vida dele como indivíduo, como artista. Mas é também sobre como a gentrificação, isto é, a segregação socioespacial em meio a novas tendências e interesses comerciais, eliminam ou transformam as salas de cinema de rua em patrimônios litigiosos, igrejas, casas de festa ou mesmo inventários sucateados e inoperantes.


retratos fantasmas

Se outrora os tempos foram áureos, como dimensionar isso. Kleber aponta para o afeto e interpreta a sétima arte sob um prisma passional que invade a vida íntima, e por mais que existam diferentes realidades e conjecturas, pois o custo do cinema sempre foi elevado e sempre existiu um fator restritivo, pois por mais complexo e plural que a arte do cinema provoca, ainda é um meio industrial e restritivo, por visar o capital.


Centrar os acontecimentos na vida dele pode gerar uma percepção de um narcisismo, ou de autoindulgência. Mas é por meio das falas tão vulneráveis, sentimentais e particulares, onde o diretor evidencia sua articulação como comunicador de despertar empatia, riso, provocar com posições irônicas e emocionar. Em um dado momento do filme, ainda no primeiro ato, ele comenta, mais ou menos, a seguinte afirmação "queria filmar as ruas de Setúbal com iluminação natural, mas aí eu olhei e pensei melhor. Percebi com Pedro Sotero, meu diretor de fotografia, percebi que a luz de cinema cabia melhor para a cena e aí que o cinema encontra a vida e a vida encontra o cinema".


Essa afirmação é a síntese de alguém inquieto, que reproduziu, redimensionou acontecimentos para uma dimensão muito própria, tudo está imbricado: A mãe, a arquitetura, a casa, o cotidiano, os vizinhos, a cidade e a natalidade. Seu amor ao cinema e exposição autobiográfica impossibilitam a argumentação objetiva e específica, trazem poesia e vulnerabilidade.


O trabalho de pesquisa, assinado por Karina Nobre e desenvolvido também pelo cineasta, enchem os olhos, e atesta o poder dos filmes de ficção em acessar e mergulhar locais inacessíveis, escombros, ou seja, verdadeiros documentários da realidade. Seja pela imagem ou os documentos físicos que é um verdadeiro mergulho potencializado no discurso apresentado. O letreiro das marquises, as mensagens de divulgação, a fachada imponente, a proliferação de pessoas indica através do tempo que a experiência de ver um filme no cinema vai muito além de assistir uma ficção ou documentário em uma grande tela de projeção, mas uma experiência sensorial, afetiva e sociológica.


retratos fantasmas

A montagem reforça os saltos e a retroatividade temporal, ou seja, ir e voltar em espaços, meios e sensações diferentes, especialmente porque enquanto se há matéria, existe lembrança.


Temos certeza de que a vida é finita, mas ao final da projeção ficamos com a dúvida, o que se deixa é também? "Retratos Fantasmas", pois o que existiu pode estar apagado, mas se lembrarmos ele estará na nossa frente de alguma forma, mesmo que não da maneira mais satisfatória possível.

 

FICHA TÉCNICA

Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho

Produção: Emilie Lesclaux para a CinemaScópio

Coprodução e distribuição: Vitrine Filmes

Montagem: Matheus Farias, edt

Direção de fotografia: Pedro Sotero, abs

Fotografia adicional: Kleber Mendonça Filho, Maira Iabrudi, Marcelo Lordello

Pesquisa de imagens de arquivo: Karina Nobre, Cleodon Pedro Coelho

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