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Foto do escritorMarcio Weber

Máquina do Desejo (2021, idem) - Lucas Weglisnki, Joaquim Castro

A revolução é uma criança analfabeta


Qual a extensão de um legado artístico? O que é fazer arte em um país latino-americano que sofre da arbitrariedade e restrições na possibilidade de articular um livre posicionamento de discurso, a sistematização e a convivência de um discurso de ódio que persistentemente se alastra, um país de contradições sintomáticas, um país onde patrimônios históricos e documentações são perdidas em incêndios acometidas pelo descuido, pela burocracia e pela falta de gestão do poder público. Onde está a arte neste meandro?. Os cineastas Lucas Weglinski e Joaquim Castro elegem na figura do Teatro Oficina e das figuras que percorrem o documentário, com a forte presença de um artista que se torna, um marco para a realização artística do país, José Celso Martinez Corrêa. Figura que fez com que mudasse os rumos do lançamento do filme, inicialmente planejado para ter sua exibição em circuito, a partir de outubro com a celebração de aniversário da companhia, e apesar de ter sido exibido em um mês que o foco parecia ter sido concentrado nos lançamentos estadunidenses, a ver o fenômeno “Barbenheimer”. Os méritos na extensa carreira de festivais de cinema e a potência representativa do filme são credenciais importantes para este projeto.


O Teatro Oficina a grosso modo representa uma extensão do tropicalismo no teatro brasileiro. A longevidade e as proposições expressas pelo movimento são inúmeras, complexas, variadas em uma busca permanente de encarnar através dos palcos, da dramaturgia, da encenação a possibilidade de assinalar a essência de um conceito de pátria brasileira. Porém, cientes que não se trata aqui de um discurso absoluto, isento de polêmicas e escândalos e que a arte necessariamente passa pela política, Weglinski e Castro apresentam episódios conturbados e reforçam a inclinação para o posicionamento e a conscientização expressas por figuras como o próprio Zé Celso, mas não tão somente.






A articulação documental se dá por meio que privilegia a cronologia dos percursos históricos da companhia, o que não quer dizer que a montagem não tenha a liberdade de estipular paralelos e associações narrativas com o presente. Entretanto, o peso discursivo se dá via uma conjectura que privilegia um didatismo, mas não aquele que subestima o espectador e aqui não existe uma preocupação enciclopédica de pontuar todos os personagens e figuras, mas sim da apreensão de uma reflexão a partir de pensamentos, posições e registros imagéticos de diferentes períodos, veículos e texturas, mas que assinalam a polissemia e a inquietude de personagens que formaram e consistemente formam gerações de artistas e pensamentos. A escolha pela não identificação dos discursos e a recusa por aderir o formato narrativo de talking heads, que mesmo não sendo algo fora da curva no imaginário recente de documentários brasileiros, como “Cinema Novo” (2016), "O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível: A Peleja de Noel Nutels" (2021) . Porém, se mostra uma escolha que reforça a ideia de uma sensação coletiva que resgata o imaginário do passado, mas o faz de uma forma entrelaçada com um ideário do presente, que traz projeções sintetizando expectativas para a possível sustentabilidade de um futuro em que a arte de se expressar também esteja diretamente sintonizada com projetos que possam respeitar a integridade espacial, ter uma vocação de defesa de causas sociais, entre elas, a defesa do meio ambiente e da gentrificação de espaços urbanos se opondo a figuras hegemônicas socioculturais do Brasil como empresários, donos de veículos de comunicação e políticos, e sendo um agente político que inspira projetos de lei.


A montagem é a principal forma como a produção estabelece o seu elo narrativo, o qual é responsável por articular diferentes linhas temporais, diversos materiais fragmentados e vozes isoladas, apresentadas aqui de uma maneira que é possível compreender os percursos e etapas enfrentados pelo Teatro Oficina e o grande mobilizador da organização, Zé Celso, mas mantendo um impacto conceitual reforçado pelo caráter essencialmente performático e transgressivo das imagens.


A confecção sonora do filme, assinada por Edson Secco em conjunto com a dupla de diretores, não apenas nutre a produção de uma inclinação solene, mas traz imersão e transforma as inquietudes e faz com que o arquivo não seja apenas meras reproduções imagéticas de diferentes décadas e que contribui para que o discurso tenha um incendiário e naturalmente propositivo.


Ao final da projeção é reiterada a essência combativa e o fortalecimento de um princípio, de uma intenção opositora ao status quo e a própria inclinação da natureza do homem. Em um processo que muito se perde com a busca desenfreada pelos ganhos materiais. A importância da criação e expressão se mostra indispensável, ainda mais em um mundo finito que muitos personagens deixam de estar conosco, como o próprio Zé Celso. Evoé!




Máquina do Desejo teve a estreia nacional em 20 de julho nos cinemas brasileiros e atualmente se encontra hoje até o dia 16 nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju, Manaus, Fortaleza, Brasília, Palmas, Goiânia e Balneário Camboriú.

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