Sean Durkin suscitou grandes expectativas depois do sucesso de “Martha Marcy May Marlene” (2011), entretanto, a carreira do cineasta não foi prolífica como se esperava - pelo contrário, “Garra de Ferro” é apenas o terceiro longa do diretor. Frustrações, desenlaces e histórias infelizes marcaram a carreira de Durkin, que teve dois projetos interrompidos: uma cinebiografia de Janis Joplin e uma adaptação do livro “Uma Casa Na Floresta”. Coincidentemente, a história deste novo filme, sobre a família Von Erich, que se tornou um marco e está no hall da fama do Wrestling estadunidense, porém é ainda mais famosa por uma sucessão de acontecimentos trágicos, que mais parece uma maldição, traz certos paralelos com a própria trajetória acidentada do realizador.
O esporte citado já era uma febre, e motivo de comoção na década de 80. A competitividade incessante da luta profissional, a especulação midiática e a ânsia por vitórias marcaram a geração dos irmãos Von Erich, que seguiram aquele rumo traçado pelo patriarca Fritz (Holt McCallany, da série Mindhunters). A produção destaca em seu prólogo a figura do pai de Kevin (Zac Efron, Ted Bundy, A irresistível face do mal), Kerry (Jeremy Allen White, da série "The Bear"), David (Harris Dickinson, "Triângulo da Tristeza) e Mike (Stanley Simons, Superiora) - o outro filho da família, Jack Jr. havia falecido em um acidente trágico ainda criança.
A imagem em preto e branco, que é normalmente uma convenção pouco inspirada para estabelecer um resgate ao passado, cria uma ponte dessas obsessões ao estrelato, ao ser o campeão do esporte, e à imponência do ringue com a expressão de cansaço, suor e raiva de Fritz Von Erich, o pai que quer ser bem importante no esporte a qualquer custo e que não mede esforços para isso. Nem os traumas foram capazes de pará-lo, e em um determinado momento ele diz “Nós estivemos comendo o pão que o diabo amassou, mas vamos deixar tudo para trás”. Fala acompanhada de um primeiro plano de Kevin, o filho mais velho, ainda criança, mostrando medo e preocupação. A vida segue, mas será mesmo que devemos ignorar certos fatos?
Anos depois, os filhos herdam ou psicologicamente se veem na obrigação de seguir a mesma profissão do pai. A união e a importância dos laços fraternais não são só ditas, mas também mostradas no contato físico, nos pequenos momentos juntos, nos treinos. Cabe a Kevin, como irmão mais velho, ser esse alicerce, o responsável, o porta-voz. Ver o sucesso da família, a projeção midiática e o reconhecimento local, mesmo que o abale psicologicamente, não afeta o apreço que ele tem pelos irmãos e os pais. (apesar da mãe ter uma figura mais apagada. Entretanto, à medida em que as predileções de Fritz por David, e posteriormente por Kerry, o fazem implodir em angústias e autocobranças, num conflito sem resolução, em que ele não quer desafiar a autoridade e imponência do empresário (a própria figura paterna), tampouco desencorajar e deixar algum irmão para trás no meio do wrestling, mesmo que isso corresponda a escolhas difíceis e sem volta, uma vez que as consequências emocionais e psicológicas devastadoras, à medida que os acontecimentos e o abalo psicológico e emocional se tornam mais graves, de certa forma até incontroláveis.
A intenção aqui é evitar a espetacularização inerente, não apenas por se tratar da história de uma dinastia do entretenimento esportivo dos EUA, que acaba tendo um inegável impacto social por algumas coincidências macabras que se prolongam, mas também pela predisposição do esporte em criar na luta um evento análogo ao Coliseu Romano para isso, Dunkin, como roteirista, procura um olhar cauteloso, controlado, ao estabelecer essas dinâmicas mentais e emocionais das situações de vida perpassadas pelos Von Erich nos relacionamentos e ao longo das lutas, ainda mais do que a luta em si.
O filme evita abordar uma cronologia didática e linear como em muitas cinebiografias. É interessante notar como uma luta valendo um campeonato passa a ser um elemento secundário, com o duelo sequer sendo mostrado, estabelecendo algo que privilegia os conflitos emocionais e da psiquê desses personagens, saindo do território batido das convenções de produções esportivas biográficas. Por outro lado, o texto passa por muitos momentos escancaradamente expositivos que revelam muito das personalidades, escolhas, renúncias e os vínculos afetivos estabelecidos pelos personagens - em especial as interações de Kevin com Pam (Lily James, Baby Driver) que colocam o filme mais próximo do lugar-comum. Algumas resoluções soam piegas e açucaradas no excesso de sentimento dramático promovido, mesmo que a intenção se mostra justamente oposta a isso.
Muito da força do filme vem na verdade da atuação de Zac Efron, que, assim como seu personagem, passa pela subestimação, por rótulos e pela desconfiança geral – portanto um ato muito feliz da escalação de atores. O ator não apenas entrega um desempenho físico admirável de músculos contraídos, como se aquela potência e força corpórea nunca pudesse comprometer: Efron também entende as limitações sociais e angústias de Kevin para com o tratamento do pai e como ele enxergava o esporte. Já Holt McCallany traz uma autoridade imponente e inapelável. Fazendo com que a influência da paternidade dele seja ensurdecedora para os filhos, mas também para o espectador com o tom de voz raivoso e embrutecido e expressões que trazem de tudo, menos sentimentos positivos. Já o resto do elenco parece mais apagado em relação ao que ambos atores entregam, especialmente Jeremy Allen White e Lily James.
A virtude artística aqui é igualmente imponente. Se de um lado a cinematografia se aproveita a opulência das locações, dos ringues e dos ambientes geográficos dos Estados Unidos, com um amarelo predominante reforçando esse calor e a intensidade catapultada pela natureza da história de uma luta de contato, os figurinos e a caracterização máscula e opressiva desses personagens intensifica a imersão narrativa desse lugar particular do wrestling.
O questionamento trazido no terceiro parágrafo sobre até que ponto devemos ignorar certas ocasiões? reforça essa indagação geracional, o principal cerne do filme, estimulando comportamentos e visões de mundo equivocadas. “Garra de Ferro”, portanto, mesmo com ruídos trazidos pela própria natureza absurda da trajetória dos Von Erich e das masculinidade equivocada trazida por eles no esporte e pelo sensacionalismo midiático, explorando discussões que são realçadas por momentos impactantes e a força de uma atuação central de um ator em franca ascensão.
FICHA TÉCNICA:
Ficha Técnica
Direção: Sean Durkin
Roteiro: Sean Durkin
Produção: Sean Durkin, Juliette Howell, Angus Lamont, Tessa Ross, Derrin Schlesinger
Elenco: Zac Efron, Jeremy Allen White, Harris Dickinson, Lily James, Maura Tierney
Trilha Sonora: Richard Reed Parry
Fotografia: Mátyás Erdély
Montagem: Matthew Hannam
Gênero: Drama, Biografia
País: EUA, Reino Unido
Ano: 2023
Duração: 130 min
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