Pedro Diógenes no segundo longa-metragem solo, retoma algumas temáticas em trabalhos anteriores, a solidão, o vazio das relações sociais, a sensação de invalidação social em paralelo à arte performática, as referências regionais, a caracterização artística/performática como uma forma de sobrevivência.
Agora em “A Filha do Palhaço”, Diógenes traz uma história livremente inspirada em uma história de vida do próprio pai e esmiúça a disfunção entre um homem que se isolou após relacionamentos frustrados e vive um luto pessoal e da própria arte (ao não se enxergar mais como ator) e de uma menina, a filha deste homem, à procura de construir uma relação até então inexistente.
Para tecer a história, existe uma mudança de tom notável, se comparado a proposta de “Inferninho” (dirigido em colaboração com Guto Parente), a atmosfera surrealista e febril parece ter ficado em segundo plano, em contrapartida, a aura melancólico, o ar decadente com luzes coloridas, a plateia distanciada com risadas de escárnio colaboram com a carga passada por Renato (Démick Lopes), o palhaço do título. As apresentações ácidas e satíricas que apesar de agraciar o público local com tópicos do cotidiano, brincadeiras engessadas com turistas, com o estereótipo de pessoas que frequentam aqueles lugares, entretanto nada diz muito a ele, mesmo montado e abastecido de uma maquiagem lúdica e figurino extravagante vira um escudo para destilar as próprias decepções usando o humor como veículo de escape da própria vida, entretanto ao receber o contato inesperado de Joana (Lis Sutter), criam novas perspectivas e relações de convívio e afeto.
As ausências e distanciamentos paternos em detrimento de instabilidades psicológicas, conflitos e relacionamentos abusivos que respingam diretamente nos filhos, a implicação dessa relação têm atualmente sido explorada com certa frequência, especialmente na ótica de meninas ainda na fase da adolescência que convivem um período inesperado com os pais, essa linha narrativa pôde ser presenciada em filmes curiosamente do mesmo período de produção de “A filha do palhaço” (o ano de 2022), como o popular “Aftersun” de Charlotte Wells e ́o costa-riquenho “Tenho Sonhos Elétricos” de Valentina Maurel, existem diálogos íntimos destes filmes por se resvalar numa temática universal. Em todas as obras citadas existe uma relação dolorosa, a sensação de culpa, algo corrosivo que vai contaminando a convivência e os vícios pelo álcool. Todavia o filme de Diógenes carrega predicados particulares pela justaposição de percepções de Joana e Renato, onde os pontos de vista se encontram e registra a magia de um relacionamento que se reconstrói do zero, a despeito de erros, das inseguranças e mágoas, ao mesmo tempo que existe algo conciliador, não se rendendo a soluções fáceis tampouco maniqueístas, expõe assim fraquezas, obstáculos e contrastes dessa relação entre pai e filha.
A atenção por planos bem próximos dos atores, por ora pegando parte do corpo, outras mesmo o close-up enfatizando o rosto reveste a cumplicidade e imersão psicológica que vai sendo construída gradativamente, expressas na condução cirúrgica que aproveita os cenários à disposição e vai passeando pelas emoções vividas pelos dois protagonistas entre revelações e descobertas, afetos e conflitos.
Outros departamentos também se destacam, em especial a fotografia de Victor de Melo, que trabalha inúmeras fontes de luz, criando um encanto e trabalha bem a profundidade de campo dentro destes espaços. Já Thaís de Campos e Lia Damasceno contribuem com um olhar singelo e criativo dentro deste universo performático vivido por Renato e por outros personagens do meio, seja na composição e paleta dos locais apresentados e pela maquiagem complexa e expressiva que municia a forte interpretação de Démick Lopes, além de auxiliar a presença magnética de Jesuíta Barbosa em cena.
“A filha do palhaço” é um filme que, apesar de carregar tendências e abordagens usuais, convence pela força dos personagens, convidando o espectador a mergulhar no poder da aceitação, do diálogo e do perdão em um desfecho memorável que sublimaa lacuna e arte .
Estreia nesta quinta (27/05)
FICHA TÉCNICA:
Produção: Marrevolto Filmes
Produtora associada: Pique-Bandeira Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Direção: Pedro Diogenes
Roteiro: Amanda Pontes, Michelline Helena, Pedro Diogenes
Produção executiva: Amanda Pontes, Caroline Louise
Elenco: Lis Sutter, Demick Lopes, Jesuíta Barbosa, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios, Valéria Vitoriano, Patrícia Dawson, Luiza Nobel, David Santos, Rafael Martins, Mateus Honori, Vic Servente, Jenniffer Joingley, Pipa, Patricia Nassi,
Direção de fotografia: Victor de Melo
Direção de Arte: Thaís de Campos
Som: Lucas Coelho
Figurino: Lia Damasceno
Maquiagem: Guilherme Funari
Direção de Produção: Clara Bastos
Assistência de direção: Michelline Helena
Casting e Preparação de Elenco: Elisa Porto, Samya de Lavor
Gaffer: Carlinhos Tareco
Platô: Muniz Filho
Montagem: Victor Costa Lopes
Colorista: Pedro Dulci
Trilha original: Cozilos Vitor, João Victor Barroso
Arte Gráfica: Diego Maia
2a assistente de direção: Grenda Costa
Continuísta: Mariana Nunes Gomes
Produtora de base e Protocolos covid: Pauline Rodrigues
Assistentes de produção: Muniz Filho, Natasha Silva, Victor Furtado
Assistente de produção executiva: Virna Paz
Edição de Som e Mixagem: Lucas Coelho
Gênero: Drama
País: Brasil
Duração: 104 minutos
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